
A iniciativa começou a ser estruturada há seis anos, quando estava a fazer pesquisa no âmbito do trabalho de defesa do curso na universidade. Perpétua Cassamuca justificou que encontrou no bairro Satchindongo muitas crianças com deficiência físico-motora, em condições de pobreza extrema e sem documentos de cidadania nacional, segundo avaçou o JA Online.
Naquele momento, conforme disse, não podia fazer nada, por falta de meios, mas depois de concluir a licenciatura decidiu investir em alguns cursos de artes e ofícios na província de Luanda com a finalidade de ter bases para avançar com a obra de caridade.
“É um projecto social solidário. Já venho a pensar nele há seis anos. Encontramos crianças no bairro Satchindongo em condições precárias. Muitas dessas crianças não tinham documentos, tal qual até hoje, o que faz com que muitas não estejam na escola. Naquele momento, não podia fazer nada. Foi aí que me ocorreu fazer algumas formações em artes e ofício, em Luanda para ajudar esse grupo de pessoas. Agora é que começo a materializar o projecto Akwenze ny Txisseke. O objectivo é criar bases para que os jovens beneficiários tenham ofício para obtenção da sua renda e devolver a alegria a eles”, explicou.
Portadores de deficiência adquirida ou congénita, os beneficiários do projecto são oriundos de famílias em situação de pobreza extrema, não são detentores de documentos de identidade e, entre outras necessidades, carecem de cadeiras de rodas e alimentação.
O projecto Akwenze ny Txisseke, segundo Perpétua Cassamuca, numa segunda fase vai estar voltado para a área de pastelaria, em que os beneficiários aprenderão a fazer galetes, salgados e bolinhos. O objectivo fundamental, conforme frisou, além de lhes garantir cadeiras de rodas e o acesso a documentos de identificação pessoal para que possam frequentar o ensino normal, é que todos tenham auto-suficiência.
“Eles precisam do apoio moral, financeiro e espiritual. Carecem de motivação. Estamos a trabalhar com jovens do sexo masculino. O projecto é contínuo. Pretendemos incluir mais jovens e até crianças, se possível. As nossas condições ainda são limitadas. Caso tenhamos apoio do Governo e de outras instituições, vamos integrar mais jovens”, afirmou.
A entrega dos seis jovens que fazem parte do projecto é bastante positiva, considerou Perpétua Cassamuca. A deficiência, realçou, não está na pessoa que requer ajuda, mas naquela com possibilidades de estender a mão e oferecer alguma coisa. “Toda a ajuda é especial. Estou a gostar da aplicação. Confesso que, apesar das dificuldades, está a ser muito bom”, destacou, sublinhando que neste momento trabalha com recursos próprios, contando com o auxílio de uma amiga de infância, Justina Natália, e do seu tio José Muquengue “Ringo”, actual presidente da Associação Provincial do Desporto Paralímpico. A jovem Edna, por sua vez, ajudou na localização dos actuais beneficiários do projecto e é quem disponibiliza o seu quintal para as aulas.
O projecto Akwenze ny Txisseke, de acordo com a mentora, está a ser desenvolvido mediante dois tipos de actividades. Uma que tem a ver com a estimulação sensorial e artística com recurso a diferentes texturas e materiais, mexer com a areia e tecidos de distintas cores e serve para a estimulação do tacto, explicou. Noutra vertente, sublinhou, o grupo vai lidar com a cor e pinturas para que tenham a coordenação motora fina.
Discriminação
Perpétua Cassamuca referiu que as pessoas com deficiência em Angola, e particularmente, na Lunda-Norte, onde muitas famílias vivem no meio rural, continuam a enfrentar estereótipos e discriminação. Os valores da educação familiar que recebeu, bem como os princípios religiosos, aliados à formação académica que tem, fazem Perpétua defender que a discriminação pode ser evitada e que até mesmo se pode aprender a fugir dela. A discriminação nem sempre é fácil de ver no dia-a-dia, pois pode acontecer de forma isolada, disse, acrescentando que os estereótipos se propagam no seio familiar, com a rejeição, exclusão e distinção das pessoas com deficiência.
Perpétua considerou que qualquer atitude que retire os direitos ou a liberdade da pessoa com deficiência é uma discriminação. E isso acontece de forma directa ou indirecta, sem que, muitas vezes, alguém perceba, daí que continua difícil combater e mudar o pensamento marcado pelo preconceito.
“As pessoas com deficiência, no nosso país, continuam a enfrentar muitos desafios para a sua inclusão. Isso parte do meio social. É no meio familiar que começa a discriminação e a rejeição. Por isso, muitas dessas pessoas ficam inibidas. Não conseguem se expor. Sentem-se inúteis, sem capacidade de fazer algo, porque a própria sociedade já discrimina. Elas sentem-se incapazes de fazer alguma coisa mas todos sabemos que podem”, ressaltou.
As instituições que velam pela pessoa com deficiência, defendeu Perpétua Cassamuca, se fossem mais ao campo e aos bairros podiam ter a noção da realidade de cada uma dessas pessoas e estas, por sua vez, ganhariam mais confiança e segurança em si mesmas. “Elas precisam apenas de oportunidade para realizar alguma coisa, tendo em conta que têm capacidade para a superação, como qualquer um”, referiu.
Motivação
Perpétua Cassamuca explicou que a criação do projecto foi motivada apenas pela integração social das crianças com dificuldades físico-motoras, numa altura em que ela procurava respostas sobre como é que elas se desenvolvem no meio social com as condições tão precárias das respectivas famílias.
“Longe de mim que houvesse tantas pessoas com dificuldades físico-motoras. A partir da minha monografia, tive mais contacto com essas pessoas. A realidade é outra. A minha ficha caiu. O amor está além da parte física. Não temos de olhar a parte física apenas. Esses jovens vivem em condições precárias. A falta de documentos de identidade cria complexos e os afasta das outras pessoas. Muitos travam, mentalmente os seus filhos nessa condição. Têm medo da sociedade e julgam que aquelas crianças não deveriam existir.
Mas elas respiram e pensam como qualquer outra”, alertou.
Aos jovens, ressaltou, tem transmitido mensagens de encorajamento e motivação, pedindo que acreditem em si, uma vez que são capazes de fazer o que os outros conseguem e que não desistam dos seus sonhos. “Eles só precisam da empatia da sociedade. A deficiência não tem cor, nem nível social. Cada família está sujeita a ter um membro nessa condição. A deficiência é adquirida ou congénita. Então, todos nós temos de ter mais empatia e ajudar essas pessoas”, defendeu
Viver em comunidade
Os jovens do projecto Akwenze ny Txisseke recebem também conhecimentos sobre a boa convivência social, conduta e princípios da honestidade, solidariedade e importância da vida em comunidade. Perpétua Cassamuca garantiu ao Jornal de Angola que pretende unir o compromisso intelectual com a formação de bons cidadãos para a sociedade.
Os jovens com deficiência físico-motora são ensinados que na vida devem compartilhar não apenas os bens materiais, mas também os conhecimentos e as práticas positivas. Para a responsável do projecto, essa convivência é um caminho concreto para a superação das dificuldades.
Na óptica de Perpétua Cassamuca Deus habita no interior de cada ser humano. A oração, a meditação e o conhecimento são meios para encontrar a presença divina, tal como as boas acções. Os jovens são incentivados a conhecerem a vida, a aceitar as dificuldades e a criar as bases para a superação.
Satisfação
Adilson Kuiva, 17 anos, com deficiência físico-motora, sofreu rejeição e abandono do próprio pai, um técnico de saúde, segundo contou Avelina Mucuta, tia do jovem, que também faz parte do projecto. Além da locomoção que é feita com recurso a uma cadeira de rodas oferecida por um vizinho e irmão espiritual da Igreja Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo “Os Tocoistas”, Adilson Kuiva tem dificuldades de falar. A mãe de Adilson morreu em 2024, vítima de doença. Agora, o jovem, que sonha ser artista plástico, vive com a avó materna que trabalha numa fazenda agro-pecuária, no município do Mussungue.
Avelina Mucuta manifestou satisfação e orgulho pelo facto de o sobrinho ter sido integrado no Projecto Akwenze ny Txisseke, uma vez que além de ajudar na sua integração social, permite ocupá-lo com actividades úteis para o seu crescimento físico e psicológico.
“O meu sobrinho além da deficiência vive com muita tristeza. Sofreu rejeição por parte do próprio pai, mas também em 2024 perdeu a mãe. Antes ele só ficava aqui dentro. Hoje, com esse projecto, ele tem ocupação. Isso vai ajudar muito no seu futuro. Agradecemos muito. Ele agora consegue soltar um sorriso, porque já sabe fazer alguma coisa. Estamos todos orgulhosos. Ele decora garrafas, que ficam muito bonitas”, reconheceu.
Antónia Celestino, 38 anos, que nasceu no município do Cambulo, na Lunda-Norte, disse que além de sapateiro costumava ficar na rua a pedir esmolas. Vive com um tio no bairro Satxindongo e tem esposa, a quem, segundo disse, gostaria de dar as melhores condições de vida. Ele é o delegado de turma do projecto Akwenze ny Txisseke. O projecto é uma oportunidade que chegou em boa hora para ajudar o grupo de jovens, uma vez que, praticamente, num mês aprenderam um ofício, reconheceu.
“No princípio, quando a nossa professora chegou, pensámos que fosse um partido político que queria o nosso voto, mas hoje estamos a ver os benefícios. Pedimos que Deus proteja essa senhora. Hoje, eu e os meus colegas sabemos fazer vasos, almofadas e decorar garrafas. Isso é muito importante. Estamos muito felizes”, disse António Celestino.
Miguel Chiunda, que estuda a oitava classe no colégio do bairro Satchindongo, disse que está a gostar muito da experiência de fazer parte do projecto, pelo facto de ter aprendido coisas que nunca pensou fazer.
Com 19 anos de idade, Miguel Chiunda vive com o irmão mais velho e espera que, futuramente, o projecto Akwenze ny Txisseke inclua mais jovens em situação de pobreza e vulnerabilidade.